Oração pessoal


Quando um ortodoxo pensa em oração, ele pensa primeiramente na oração litúrgica pública. A oração corporativa da Igreja desempenha uma parte muito maior na sua experiência religiosa do que na média do cristianismo ocidental. Logicamente isso não significa que o ortodoxo nunca ora exceto quando na Igreja: ao contrário, existem manuais especiais com orações diárias a serem feitas por todos os ortodoxos, pela manhã e à noite, diante dos seus ícones, em casa. Mas as orações nesses manuais são tiradas em sua maior parte diretamente dos Livros de Ofícios usados na oração pública, de maneira que mesmo em sua própria casa um ortodoxo ainda está orando com a Igreja; mesmo em sua casa ele ainda está junto em amizade com todos os outros cristãos ortodoxos que estão orando as mesmas palavras que ele. A oração pessoal é possível só no contexto da comunidade. Ninguém é um cristão por si próprio, mas só se for um membro do corpo. Mesmo na solidão, "no quarto", um cristão ora como um membro da comunidade redimida, da Igreja. E é na Igreja que ele aprende sua prática devocional (Florovsky, Prayer Private and Corporate). E assim como não existe na espiritualidade ortodoxa separação entre liturgia e devoção privada, também não existe separação entre monges e aqueles que vivem no mundo; as orações dos manuais usadas pelos leigos são as mesmas orações que as comunidades monásticas recitam diariamente na Igreja como partes dos Ofícios Divinos. Maridos e mulheres seguem o mesmo caminho cristão que monges e monjas, e todos igualmente usam as mesmas orações. Naturalmente os manuais são somente um guia e orientação de oração, e cada cristão é livre também para orar espontaneamente com suas próprias palavras.

As orientações no começo das orações da manhã enfatizam a necessidade de concentração, para uma oração viva para o Deus vivo. No começo delas é dito:
Tendo despertado do sono, antes de qualquer outra ação, levante-se com reverência, considerando estar na presença do Deus que tudo vê, e, tendo feito o sinal da Cruz, diga: Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Depois pouse por um momento, até que tenha recobrado todos os teus sentidos e seus pensamentos abandonem todas as coisas mundanas: e faça três pequenas metanoias, dizendo: Ó Deus, sê misericordioso comigo que sou pecador...
Na conclusão das orações da manhã uma nota estabelece: "Se o tempo à disposição é curto, e a necessidade de iniciar o trabalho está pressionando, é melhor dizer só algumas das orações sugeridas com atenção e devoção, do que recitar elas todas com pressa e sem a necessária concentração".

Há também uma nota nas orações da manhã encorajando todos a ler a Epistóla e o Evangelho do dia.

Como exemplo tomemos duas orações do Manual; a primeira, uma oração para o início do dia, escrita por Filareto, Metropolita de Moscou:
Senhor, conceda-me a graça de saber aceitar tudo que venha acontecer neste dia que se inicia. Permita que eu me entregue completamente à Tua santa vontade e em todo momento deste dia. Ajuda-me e orienta-me em todos os meus atos e palavras. Guia meus pensamentos e sentimentos em todos os casos inesperados. Não permita que eu me esqueça que tudo vem de Ti...
E essas são algumas frases da intercessão geral com que as orações da noite se encerram:
Ó Senhor, que amas a humanidade, perdoa aqueles que nos odeiam e nos fazem mal. Faz o bem àqueles que fazem o bem. Concede aos nossos irmãos e próximos a salvação e a vida eterna; visita os enfermos e concede-lhes a cura. Guia os que estão no mar. Acompanha os que viajam... Segundo a Tua imensa misericórdia, tem misericórdia daqueles que nos pediram para orar por eles. Lembra-Te, Senhor, dos nossos pais e irmãos que partiram antes de nós e concede-lhes o repouso onde a luz do Teu rosto os ilumine... Lembra-Te, também, Senhor, dos Teus servos vis, pecadores e indignos...
[...] Existe um outro tipo de oração pessoal que por muitos séculos desempenhou uma parte extraordinariamente importante na vida ortodoxia, a Oração do Coração: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de mim pecador (a)". Como algumas vezes é dito que os ortodoxos não dão suficiente atenção à pessoa do Cristo Encarnado, é importante chamar a atenção para o fato dessa oração - seguramente a mais clássica das orações ortodoxas - ser essencialmente cristocêntrica, e uma oração endereçada para e concentrada no Senhor Jesus Cristo. Aqueles que são conduzidos à tradição da Oração do Coração não são liberados para em nenhum momento esquecer o Cristo Encarnado.

Como auxilio para recitar essa oração muitos ortodoxos usam um rosário, que difere em estrutura do terço ocidental; um Rosário Ortodoxo é quase sempre feito de lã, assim ele não faz barulho.

A Oração do Coração é uma oração de maravilhosa versatilidade. É uma oração para principiantes, mas igualmente uma oração que conduz aos mais profundos mistérios da vida contemplativa. Pode ser usada por qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar; esperando em filas, andando, viajando em ônibus ou trens; no trabalho; quando incapaz de dormir à noite; em tempos de especial ansiedade quando é impossível se concentrar em outro tipo de oração.

- Bispo Calisto Ware, A Igreja Ortodoxa

Oração dos anciãos de Optina


Senhor, concede-me a graça de saber aceitar tudo que venha acontecer neste dia que se inicia. Permita que eu me entregue completamente à Tua santa vontade em todo momento deste dia. Ajuda-me e orienta-me em tudo: todos os meus atos e palavras. Guia meus pensamentos e sentimentos em todos os casos inesperados. Não permitas que eu me esqueça que tudo vem de Ti. Ensina-me a agir corretamente com cada membro da minha família para que não ofenda e não magoe ninguém. Senhor, dá-me forças para superar o cansaço deste dia e suportar tudo o que hoje venha acontecer. Dirige a minha vontade, e ensina-me a rezar, ter fé, esperança, paciência, saber perdoar e amar. Amém.

Três escatologias


O cristianismo sempre rejeitou o dualismo ontológico dos maniqueístas, bem como a ideia - comum no gnosticismo do século segundo - de que a criação visível é obra de um demiurgo inferior, distinto do Deus transcendente; pelo contrário, afirma a bondade intrínseca da criação, "visível e invisível". Com igual consistência, entretanto, o Novo Testamento mantém um dualismo existencial entre "este mundo", que está em estado de rebelião contra Deus, e o "mundo que virá", quando Deus será "tudo em todos". Cristãos esperam pela "cidade que virá" e consideram-se apenas "peregrinos", em vez de cidadãos plenos, no mundo presente. Porém, essa escatologia do Novo Testamento e suas implicações práticas tem sido vividas e entendidas diferentemente por cristãos em diferentes momentos da história.

1) A ideia de que o "Reino" virá repentinamente, através de um fiat divino unilateral, em um futuro não-tão-distante, era comum nas primeiras comunidades cristãs. Essa concepção escatológica, de fato, significava que os cristãos constantemente orariam "para que a figura deste mundo passe". Eles não estariam de modo algum ocupados com o melhoramento da sociedade, simplesmente porque a sociedade terrena estaria destinada a um desaparecimento catastrófico e precoce. Eles considerariam inevitável a condenação última da vasta maioria da humanidade e a salvação de apenas um pequeno grupo. Nessa perspectiva, mesmo a menor célula da sociedade terrena, a família, seria um peso; e o casamento, embora permitido, não seria recomendável. A oração escatológica "Vem, Senhor Jesus!" seria entendida primariamente como o grito do "remanescente", totalmente desamparado em um mundo hostil e buscando salvação dele, não uma responsabilidade para com ele.

Tal escatologia não fornece qualquer base para missões cristãs na sociedade ou na cultura. Ela atribui a Deus somente, agindo sem cooperação humana, a tarefa de trazer a Nova Jerusalém, que descerá pronta do céu. Ela também esquece aquelas imagens do Reino no Novo Testamento que precisamente implicam cooperação ou "sinergia": a semente de mostarda, que cresce até tornar-se uma grande árvore, a levedura que fermenta toda a massa, os campos prontos para a colheita. Uma escatologia de fuga é, evidentemente, psicologicamente compreensível e até espiritualmente justificada nos tempos em que a comunidade cristã é forçada a retornar a si mesma por pressão externa e perseguição, como nos primeiros séculos e em tempos mais recentes também; mas transformada em um sistema, claramente trai a mensagem bíblica como um todo. A "Nova Jerusalém" não é apenas um dom gratuito de Deus vindo do céu, mas também o selo e o cumprimento de todos os esforços e aspirações legítimas da humanidade, transfigurados e transformados numa nova criação.

2) A ênfase sobre a realização humana leva ao extremo oposto: a escatologia pelagianizadora e otimista baseada na crença em um progresso constante da sociedade humana. Ao manter com força que a história humana possui um sentido e um alvo, essa crença no progresso - em suas formas capitalista ou marxista - é um fenômeno pós-cristão. É ainda tecnicamente uma "escatologia" e inspirou muito das modernas culturas europeias e americanas durante os últimos três séculos. Na década passada muitos cristãos adotaram mais ou menos essa escatologia. Eles identificam o progresso social com a "nova criação", aceitando a "história" como um guia em direção à "Nova Jerusalém", e definindo a missão cristã principal em categorias "seculares".

Essa segunda escatologia, seja ou não chamada de cristã, não toma em consideração o pecado e a morte, dos quais a humanidade não pode redimir-se por suas próprias forças; e assim ignora os aspectos mais reais e trágicos da existência humana. Parece aspirar por uma civilização sem fim, porém sempre aprisionada pela morte, que de fato seria "tão terrível quanto a imortalidade para um homem que é prisioneiro da doença e da velhice" (G. P. Fedotov). Ao aceitar o determinismo histórico, ela renuncia ao próprio centro da mensagem cristã: libertação dos "poderes e principados" da história através da ressurreição de Cristo e pela promessa profética de uma transfiguração cósmica trazida por Deus, e não pelo homem.

3) O conceito bíblico de "profecia" leva-nos a uma terceira forma de escatologia que faz justiça tanto ao poder de Deus quanto à liberdade e responsabilidade do homem. Profecia, no Velho e no Novo Testamentos, não é apenas uma simples predição do futuro, nem uma declaração de inevitabilidade. É "uma promessa ou uma ameaça" (G. P. Fedotov). Em outras palavras, como o filósofo russo Fedotov corretamente apontou, é sempre condicional. As "coisas boas" do futuro são uma promessa aos fiéis, enquanto os cataclismas são uma ameaça aos pecadores. Ambos, porém, estão ultimamente condicionados pela liberdade humana. Deus deixaria de destruir Sodoma por causa de dez fiéis, e quando Nínive arrependeu-se, Ele a perdoou, poupando-a da destruição prometida por Jonas.

Pois Deus não está ligado a qualquer necessidade natural ou histórica. O próprio homem, em sua liberdade, deve decidir se a vinda de Cristo será um julgamento aterrorizante ou uma alegre festa de casamento. Nenhuma escatologia será fiel à mensagem cristã a menos que mantenha tanto o poder de Deus sobre a história quanto a tarefa do homem, na qual reside a liberdade real que foi-lhe restaurada por Jesus Cristo, para a edificação do Reino de Deus.

Estas são considerações iniciais que nos darão um ponto de referência ao ver e avaliar os fatos do passado.

- Padre John Meyendorff, Roma, Constantinopla e Moscou

Participantes da natureza divina


O propósito da vida cristã, que Serafim descreveu como a aquisição do Espírito Santo de Deus, pode igualmente ser bem definida em termos de deificação. Basílio descreveu o homem como uma criatura que recebeu a ordem de tornar-se um deus; Atanásio, como sabemos, disse que Deus tornou-se homem para que o homem pudesse tornar-se Deus. "Em meu reino, disse Cristo, serei Deus convosco como deuses" (Cânon para as matinas da Quinta-Feira Santa, Ode 4, Tropário 3). Este, de acordo com os ensinamentos da Igreja Ortodoxa, é o objetivo final que cada cristão ortodoxo deve atingir: tornar-se Deus, alcançar a theosis, "deificação" ou "divinização," pois para a ortodoxia, a salvação e redenção do homem significam sua deificação.

Sob a doutrina de deificação existe a ideia do homem feito de acordo com a imagem e semelhança de Deus, a Divina Trindade. "Para que eles sejam todos um," rezou Cristo na Última Santa Ceia, "como tu, Pai, és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam em nós" (João 17:21). Assim como as três pessoas da Trindade "vivem" umas nas outras em um movimento contínuo de amor, o homem feito à imagem da Trindade é chamado para viver no Deus Trino. Cristo reza para que nós possamos fazer parte da vida da Trindade, do movimento de amor que circula entre as três pessoas divinas; Ele reza para que possamos ser levados para a Divindade. Os santos, como coloca Máximo, o Confessor, são aqueles que expressam a Santíssima Trindade em si mesmos. Esta ideia de uma união pessoal e organizada entre Deus e o homem — Deus vivendo no homem e o homem Nele — é um tema constante no evangelho de São João e também nas Epístolas de São Paulo, que vê a vida cristã, acima de tudo, como uma vida "em Cristo". A mesma ideia é vista no famoso texto: "Para que por elas (as promessas de Cristo) sejais feitos participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:4). É importante ter em mente este ensinamento do Novo Testamento. A doutrina ortodoxa de deificação, longe de não ter base escritural (como às vezes se pensa), tem base bíblica muito sólida, não apenas em 2 Pedro, mas em Paulo e no Quarto Evangelho.

A ideia de deificação deve sempre ser entendida à luz da distinção entre a essência de Deus e Suas energias. A união com Deus significa união com as energias divinas, não com a essência divina: quando fala de deificação e união, a Igreja Ortodoxa rejeita qualquer forma de panteísmo.

Há outro ponto de igual importância que está muito ligado a este. A união mística entre Deus e o Homem é verdadeira, apesar de Criador e criatura não estarem aqui fundidos um ao outro como um ser único. Ao contrário das religiões orientais que ensinam que o homem é sugado ou absorvido pela divindade, a teologia mística ortodoxa sempre insistiu que o homem, apesar de muito ligado a Deus, mantém a sua integridade individual. O homem, quando deificado, permanece distinto (e não separado) de Deus. O mistério da Trindade é um mistério de unidade em diversidade, e aqueles que expressam a Trindade em si não sacrificam suas características individuais. Quando São Máximo escreveu que "Deus e aqueles merecedores de Deus tem a mesma e única energia" (Ambigua, 91), ele não quis dizer que os santos perdem o livre arbítrio, mas que, quando deificados, voluntariamente e com amor combinam suas vontades com a Vontade de Deus. Nem o homem, quando "se torna Deus," deixa de ser humano: "Nós permanecemos criaturas enquanto nos tornamos, por graça, deuses, assim como Cristo permaneceu Deus quando tornou-se homem na Encarnação (V. Lossky, The Mystical Theology of teh Eastern Church, p. 87). O homem não torna-se Deus por natureza, mas é meramente um "deus criado," um deus por graça.

A deificação é algo que envolve o corpo. Já que o homem é uma unidade de corpo e alma, e já que o Cristo Encarnado salvou e resgatou o homem como um todo, conclui-se que "o corpo humano é deificado ao mesmo tempo que sua alma" (Máximo). Na divina semelhança a que o homem é convidado a realizar em si mesmo, o corpo tem importância. "Vossos membros são o templo do Espírito Santo," escreveu São Paulo (1 Cor. 6:19). "Assim, que pela misericórdia de Deus vos rogo, irmãos, que ofereçais os vossos corpos como um sacrifício vivo a Deus" (Romanos 12:1). Deve-se esperar a completa deificação do corpo, no entanto, até o Último Dia, pois nesta vida a glória dos santos é, como regra, um esplendor interno, um esplendor apenas da alma; mas quando os justos voltarem dos mortos vestidos no corpo espiritual, então a santidade será manifestada externamente. "No dia da Ressurreição a glória do Espírito Santo virá de dentro para fora, cobrindo e forrando os corpos dos santos — a glória que tinham antes escondida em suas almas. O que agora tem o homem, mais tarde surge em seu corpo" (Homilias da Macário, 5, 9). É esta transfiguração do "corpo Ressuscitado" que o iconógrafo tenta reproduzir. Assim, enquanto preserva distintos traços das características fisionômicas dos santos, ele evita, de forma deliberada, pintar um retrato realista e "fotográfico." Pintar o homem como ele é agora, é pintá-lo em seu estado ainda decaído, com o corpo "terrestre" e não "celestial". Os corpos dos santos serão transfigurados externamente pela Luz divina, assim como o de Cristo foi transfigurado no Monte Tabor. "Também devemos aguardar a aurora do corpo" (Minucius Felix, Octavius, 34).

Mas mesmo nesta vida, alguns santos provaram os primeiros frutos da glorificação visível e material. São Serafim é o mais conhecido, mas não é o único exemplo. Quando Arsênio, o Grande estava orando, seus discípulos o viram "como um fogo" (Apophthegmata, P.G. 65); e é registrado de outro Padre do Deserto: "Como Moisés recebeu a imagem da glória de Adão, quando seu rosto foi glorificado, então a face de Abba Pambo mostrou-se como um raio e ele tornou-se rei sentado em seu trono" (Apophthemagta, P.G. 65). Epifâniom em seu Vida de Sérgio de Radonezh, relata que o corpo do santo mostrou-se em glória depois da morte. Algumas vezes é dito, e com certa verdade, que a transfiguração corporal pela luz divina corresponde, dentre os santos ortodoxos, ao recebimento dos estigmas de Cristo para os santos ocidentais. Porém, não se deve delinear um contraste absoluto neste caso. Episódios de glorificação material também são encontrados no ocidente, como por exemplo o caso da inglesa, Evelyn Underhill (1875-1941): um amigo relata como em uma ocasião seu rosto estava transfigurado em luz (toda a narrativa faz lembrar São Serafim: ver The Letters of Evelyn Underhill, editada Charles Williams, Londres, 1943). (A estigmatização também não é desconhecida no leste: na vida copta de São Macário do Egito, sabe-se que um querubim apareceu para ele, "mediu seu peito" e "crucificou-o na terra"). Nas palavras de Gregório Palamas: "nas próximas eras o corpo compartilhará com a alma as bênçãos indescritíveis; é certo que devem compartilhar, na medida do possível, agora também" (The Tome of The Holy Mountain, P.G. 150).

Porque os ortodoxos estão convencidos de que o corpo é santificado junto com a alma, eles têm tremendo respeito às relíquias dos santos. Como os católicos romanos, ortodoxos acreditam que a graça de Deus presente no corpo dos santos durante a vida permanece ativa em suas relíquias depois da morte, e que Deus usa estas relíquias como um canal de poder divino e instrumento de cura. Em alguns casos os corpos dos santos foram milagrosamente preservados da corrupção, mas mesmo onde isto não aconteceu, os ortodoxos mostram a mesma veneração aos ossos. Esta reverência às relíquias não é fruto de ignorância e superstição, mas nasce de uma teologia do corpo altamente desenvolvida.

Não apenas o corpo humano, mas toda a criação material será, ao final, transfigurada: "E vi um céu novo e uma terra nova. Porque o primeiro céu e a primeira terra se foram" (Apocalipse 21:1). O homem resgatado não deve ser separado de toda criação, esta é que deve ser salva junto com ele (ícones, como já vimos, são os primeiros frutos da redenção da matéria). "A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus... pois ela será liberta da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. Sabemos que até hoje ela vem sofrendo as dores do parto" (Romanos 8:19-22). Esta ideia de redenção cósmica é baseada, assim como as doutrinas ortodoxas sobre o corpo humano e sobre os ícones, em uma correta compreensão da Encarnação: Cristo tomou a carne — que é de ordem material — e tornou possível a redenção e metamorfose de toda criação — tanto a imaterial quanto a física.

Esta conversa sobre deificação e união com Deus, sobre a transfiguração do corpo e a redenção cósmica, pode soar muito distante da experiência dos cristãos comuns; mas qualquer que tirar essa conclusão entendeu tudo errado sobre a visão ortodoxa da theosis. Para impedir essa interpretação errada, seis pontos devem ser lembrados.

Primeiro, deificação não é algo reservado para uns poucos iniciados, mas algo destinado a todos igualmente. A Igreja Ortodoxa crê que este é o propósito normal para todos os cristãos, sem exceção. Certamente, só seremos plenamente deificados no Último Dia; mas para cada um de nós o processo de divinização deve começar aqui e agora, nesta vida presente. É verdade que nesta vida pouquíssimos, de fato, atingem plena união mística com Deus. Mas todo cristão verdadeiro busca amar a Deus e cumprir Seus mandamentos; e na medida em que um homem busca sinceramente fazer isso, por mais fracas que sejam suas tentativas e por mais que ele falhe, já está em algum grau deificado.

Segundo, o fato de um homem estar sendo deificado não significa que cessa de ser consciente do pecado. Muito pelo contrário, a deificação sempre pressupõe um ato contínuo de arrependimento. Um santo pode ser muito avançado no caminho da santidade e, no entanto, não cessa por isso de usar as palavras da Oração de Jesus: 'Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, um pecador'. O pai Siluan do Monte Athos costumava dizer a si mesmo: 'mantenha sua mente no inferno e não desespere'; outros santos ortodoxos repetiram as palavras: 'todos serão salvos, e somente eu serei condenado'. Autores espirituais do Oriente dão grande valor ao 'dom das lágrimas'. A teologia mística ortodoxa é uma teologia da glória e da transfiguração, mas é também uma teologia da penitência.

Em terceiro lugar, não há nada esotérico ou extraordinário sobre os métodos que devemos usar para sermos deificados. Se um homem pergunta 'Como posso tornar-me deus?', a resposta é muito simples: vá à igreja, receba os sacramentos regularmente, ore a Deus 'em espírito e verdade', leia os Evangelhos, observe os mandamentos. Este último item - 'observe os mandamentos' - nunca pode ser esquecido. A ortodoxia, não menos que o Cristianismo ocidental, firmemente rejeita o tipo de misticismo que procura dispensar normais morais.

Quarto, deificação não é um processo solitário e sim 'social'. Dissemos que a deificação significa 'observa os mandamentos'; e esses mandamentos foram brevemente descritos por Cristo como amor a Deus e amor ao próximo. As duas formas de amor são inseparáveis. Um homem só pode amar seu próximo como a si mesmo se ama a Deus acima de tudo; e um homem não pode amar a Deus se não ama seu próximo (1 João 4:20). Assim, não há nada egoísta sobre a deificação; pois apenas aquele que ama seu próximo pode ser deificado. 'De nosso próximo vem a vida e de nosso próximo a morte', disse Antão do Egito. 'Se ganhamos nosso próximo ganhamos a Deus, mas se levamos nosso próximo a cair pecamos contra Cristo' (Apophthegmata, Antão 9). O homem, feito à imagem da Trindade, somente pode realizar a semelhança divina se vive uma vida em comum como a Trindade vive: como as três pessoas da Divindade 'habitam' uma na outra, assim um homem deve 'habitar' em seu irmão, vivendo não para si mesmo, mas em e por outros. 'Se fosse possível', disse um dos Padres do Deserto, 'achar um leproso e dar-lhe meu corpo e levar o dele, eu o faria alegremente. Pois isso é amor perfeito' (Agatão 26). Tal é a natureza verdadeira da theosis.

Quinto, amor a Deus e aos outros homens deve ser prático: a ortodoxia rejeita toda forma de quietismo, todos os tipos de amor que não resultam em ação. A deificação, enquanto inclui as alturas da experiência mística, também possui um aspecto prosaico e pé-no-chão. Quando pensamos na deificação, devemos lembrar dos hesicastas orando em silêncio e de S. Serafim com sua face transfigurada; mas também devemos lembrar de S. Basílio cuidando dos doentes no hospital de Cesaréia, de S. João ajudando os pobres em Alexandria, de S. Sérgio em suas roupas sujas, trabalhando como camponês na horta para fornecer comida aos visitantes do mosteiro. Estes não são caminhos diferentes, mas um só.

Finalmente, deificação pressupõe vida na Igreja, vida nos sacramentos. Theosis, de acordo com a semelhança da Trindade, envolve a vida em comum, mas somente na irmandade da Igreja pode essa vida em comum ser propriamente realizada. Igreja e sacramentos são meios apontados por Deus pelos quais o homem deve adquirir o Espírito santificador e ser transformado na semelhança divina.

- Bispo Calisto Ware, A Igreja Ortodoxa

O julgamento final


Há numerosos testemunhos na Sagrada Escritura sobre a realidade e indisputabilidade do Julgamento universal futuro: Jo 5:22, 27-29; Mt 16:27; 7:21-23; 11:22-29; 12:36, 41-42; 13:37-43; 19:28-30; 24:30; 25:31-46; At 17:31; Judas 14-15; 2 Co 5:10; Ro 2:5, 7:14:10, 1 Co 4:5; Ef 6:8; Col 3:24-2; 2 Tess 1:6-10; 2 Tim 4:1: Ap 20:11-15. Desses testemunhos a mais completa descrição é dada em Mateus 25:31-46 ("E quando o Filho do Homem vier em Sua glória..."); de acordo com essa descrição podemos tirar conclusões a respeito das características do julgamento. Ele será:

Universal, isto é, extensivo a todos os homens vivos e mortos, bons e maus, e de acordo com outras indicações dadas na palavra de Deus, até aos próprios anjos decaídos (2 Pe 2:4; Judas 6);

solene e aberto, pois o Juiz aparecerá em toda a Sua glória com todos os Seus anjos diante da face do mundo todo; estrito e terrível, executando em toda Justiça de Deus — ele será "o dia de ira e da manifestação da justiça de Deus" (Ro 2:5);

final e definitivo, determinando por toda a eternidade o destino de cada um que for julgado. O resultado do julgamento será a recompensa eterna — benção para os justos e tormento para os malignos que forem condenados.

Descrevendo da maneira mais brilhante e jubilosa as características da vida eterna dos justos depois do Julgamento universal, a palavra de Deus fala da mesma maneira positiva e certeza a respeito dos tormentos eternos dos homens malignos. "Apartai-vos de mim, malditos para o fogo eterno," o Filho do Homem dirá no dia do Julgamento: "E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna" (Mt 25: 41-46). Esta condição de condenação é apresentada na Sagrada Escritura pintada como um lugar de tormento e é chamada de Gehenna. A imagem é tomada do vale de Hinnon nos arredores de Jerusalém, onde eram feitas as execuções, e também era jogada todo tipo de coisa suja, e como resultado havia um fogo queimando constantemente como defesa contra infecções. O Senhor disse: "E se tua mão te escandalizar, corta-a: melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno (gehenna), para o fogo que nunca se apaga, onde seu verme não morre e o fogo nunca se apaga" (Mc 9:43-44 e também 45-48). "Haverá choro e ranger de dentes," o Salvador repete muitas vezes a respeito da Gehenna (Mt 8:12 e outros lugares). No Apocalipse de São João Teólogo esse lugar ou condição é chamado de "lago de fogo" (Ap 19:20). E no Apóstolo Paulo nós lemos: "Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo" (2 Tess 1:9) . As imagens do "verme que não morre" e do "fogo que nunca se apaga" são evidentemente simbólicas e indicam a severidade dos tormentos. (Por "simbólica" nossa linguagem contemporânea racionalista usualmente entende "não real, não mais do que uma imagem" — uma definição que daria uma ideia muito confusa da vida na era futura. Com respeito às imagens nas quais futuras bênçãos e futuros tormentos são descritos, deve-se repetir as palavras do anjo a São Macário de Alexandria: "Aceita as coisas terrenas aqui como a mais fraca descrição das coisas celestes"; certamente tais imagens como "o verme" e o "fogo" correspondem a realidades que são assustadoramente além de nossa imaginação — e uma realidade que, enquanto não "material" de acordo com nossa experiência em coisas terrenas, é no entanto de alguma forma "corporal," correspondendo ao corpo espiritual ressuscitado que as sentirá! Deve-se ler a assustadora experiência "real" do "verme que não morre" por um filho espiritual de São Serafim de Sarov ["Are There Tortures in Hell?" no Orthodox Life, 1970, nº 5] de modo a se ganhar uma certa indicação da natureza dos futuros na Gehenna). São João Damasceno diz: "Os pecadores serão entregues ao fogo eterno, que não será um fogo material como o que estamos acostumados, mas um fogo que só Deus conhece" (Exposição Exata da Fé Ortodoxa, Livro 4, 27).

"Eu sei," escreve São João Crisóstomo, "que muitos são aterrorizados só pela gehenna, mas eu acho que a privação daquela glória (do Reino de Deus) é um tormento maior que a gehenna" (Homilia 23, sobre São Mateus). "Essa privação das coisas boas," ele reflete em outro lugar, "causará tal tormento, tal tristeza e opressão, que mesmo que nenhuma punição espere aqueles que pecam aqui, em si mesma (essa privação) pode atormentar e perturbar nossas almas mais poderosamente que o tormento da gehenna; muitas pessoas tolas desejam só serem libertadas da gehenna; mas eu considero muito mais atormentadora a punição de não estar naquela glória. E eu acho que aquele que é privado dessa glória deveria não chorar tanto pelos tormentos na gehenna quanto por ser privado das coisas boas do céu, pois só isso é a mais cruel de todas as punições" (Homilia 1). Pode-se ler uma explicação similar em Santo Irineu de Lyon (Contra as heresias, Livro 5, 27).

São Gregório Teólogo ensina: "Reconhece a ressurreição, o julgamento, e a recompensa dos justos pelo julgamento de Deus. E essa recompensa para esses que foram purificados no coração será luz, isto é, Deus visível e conhecido de acordo com o grau de pureza de cada um, que nós chamamos também de Reino do Céu. Mas para aqueles que são cegos na mente, isto é, para aqueles que se tornaram estranhos para Deus, de acordo com o grau de sua presente cegueira, serão trevas" (Homilia 40, sobre o Batismo).

A Igreja, baseando-se na palavra de Deus, reconhece os tormentos na gehenna como sendo eterno e sem fim, e por essa razão condenou no Quinto Concílio Ecumênico o falso ensinamento dos origenistas que diziam que os demônios e pessoas ímpias sofreriam no inferno somente por um certo tempo definido, e então seriam devolvidos à sua condição original de inocência (apokatastasis em grego). A condenação do Juízo Final é chamada no Apocalipse de São João o Teólogo de "segunda morte" (Ap 20:14).

Uma tentativa de entender os tormentos da gehenna num sentido relativo, entender a eternidade como algum tipo de era ou período — talvez longo, mas mesmo assim tendo um fim — foi feita na antigüidade, assim como é feita hoje; essa visão em geral nega a realidade desses tormentos. Nessa tentativa são trazidas à tona concepções de um tipo lógico: a desarmonia entre tais tormentos e a bondade de Deus é apontada, assim como a aparente desproporção entre crimes que são temporais e a eternidade das punições por pecado, assim como também a desarmonia entre essas punições eternas e o fim ultimo da criação do homem, que é a bênção de Deus.

Mas não cabe a nós definir os limites entre a inexprimível misericórdia de Deus e Sua justiça. Nós sabemos que o Senhor "quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade" (1 Tim 2:4); mas o homem é capaz, através de sua própria vontade maligna, de rejeitar a misericórdia de Deus e os meios de salvação. Crisóstomo, interpretando a descrição do Juízo Final, demarca: "Quando Ele (o Senhor) falou acerca do Reino, depois de dizer: 'Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino', Ele acrescenta, que está 'preparado para nós desde a fundação do mundo' (Mt 25:34), mas quando fala sobre o fogo, Ele não se expressa assim, mas acrescenta: que está 'preparado para o diabo e seus anjos' (Mt 25:41). Pois eu prepararei para vós o Reino, mas o fogo Eu prepararei não para vós mas para o diabo e seus anjos. Mas desde que vós vos jogastes no fogo, então acuseis a vós mesmos por isso" (Homilia 70, sobre Mateus).

Não temos o direito de entender as palavras do Senhor só condicionalmente, como ameaça ou como um certo meio pedagógico aplicado pelo Salvador. Se nós entendermos dessa maneira erramos, já que o Senhor não instila em nós nenhum desses entendimentos e nós nos sujeitamos à ira de Deus de acordo com a palavra do Salvador: "porque o ímpio provocou Deus? Pois ele disse em seu coração. Ele não inquirirá".

Além disso, o próprio conceito de "ira" em relação a Deus é condicional e antropomórfico, como aprendemos do ensinamento de Santo Antônio o Grande (conhecido entre nós como Santo Antão), que diz: "Deus é bom, desapaixonado e imutável. Agora se alguém pensa que é razoável e verdadeiro afirmar que Deus não muda, pode-se perguntar como, nesse caso, é possível se falar de Deus rejubilando sobre aqueles são bons e mostrando misericórdia para aqueles que o honram, enquanto afastando-se dos maldosos e ficando raivoso com os pecadores. Para essa pergunta deve ser respondido que Deus não rejubila nem fica com raiva, pois rejubilar e ficar ofendido são paixões; nem Ele se comove pelos dons daqueles que o honram, pois isso significaria que Ele é movido por prazer... Ele é bom, e Ele só concede bênçãos e nunca provoca dano, permanecendo sempre o mesmo. Nós homens, de outro lado, se permanecemos bons assemelhando-nos a Deus, somos unidos a Ele; mas se nós nos tornarmos malignos não assemelhando-nos a Deus, tornando-nos malignos nós fazemos Dele nosso inimigo. Não é que Ele fique raivoso conosco de maneira arbitrária, mas são os nossos pecados que impedem que Deus brilhe dentro de nós, e nos expõe aos demônios que nos punem. E se por orações e atos de compaixão nós recebemos alívio de nossos pecados, isso não significa que nós tenhamos ganho de Deus e façamo-lo mudar, mas sim que através dos nossos atos e nosso virar-se para Deus nós curamos nossa malignidade e assim mais uma vez nós nos regozijamos com a bondade de Deus. Assim dizer que Deus afasta-Se dos malignos é como dizer que o sol se esconde dos cegos" (Philokalia, vol 1, texto 150; tradução inglesa por Palmer—Sherrara—Ware, p. 352).

Digno de atenção também é o comentário simples a esse respeito do Bispo Teófano o Recluso: "Os justos irão para a vida eterna, mas os pecadores satanizados para os tormentos eternos, em comunhão com os demônios. Esses tormentos terminarão? Se é possível que esse satanismo acabe, então esses tormentos também podem acabar. Mas até então nós devemos acreditar que assim como a vida eterna não terá fim, assim também os tormentos eternos que ameaçam os pecadores não terão fim. Nenhuma conjectura pode mostrar a possibilidade do fim do satanismo. O que satanás viu depois da sua queda! Quanto poder de Deus foi revelado! Como ele mesmo foi batido pelo poder da Cruz do Senhor! Como até agora toda a sua astúcia e malícia são derrotadas por esse poder! Mas ele ainda é incorrigível, ele constantemente se opõe; e quanto mais longe ele vai, mais teimoso ele se torna. Não há esperança nenhuma dele ser corrigido! E se não há esperança para ele, não há esperança também para os homens que tornam-se satanizados por sua influencia. Isso significa que deve haver inferno com tormentos eternos".

Os escritos dos santos ascetas cristãos indica que quanto mais alta a consciência moral, mais agudo se torna o sentimento de responsabilidade moral, o medo de ofender Deus, e consciência da inevitável punição por se desviar dos mandamentos de Deus. Mas exatamente o mesmo grau é o que aumenta a esperança na misericórdia de Deus. A esperança nela e o pedir por ela ao Senhor é para cada um de nós uma obrigação e uma consolação.

- Padre Michael Pomazansky, Teologia dogmática ortodoxa

A Segunda Vinda de Cristo


O olhar espiritual do homem que acredita em Cristo, começando com a Ascensão da terra para o céu do Filho de Deus, tem sido dirigido para o maior evento futuro da historia do mundo: Sua Segunda Vinda para a terra.

Testemunhos para a realidade dessa esperada Vinda foram dados bastante definidamente muitas vezes pelo próprio Senhor Jesus Cristo, com uma serie de detalhes a respeito (Mt 16:27 e capit. 24; Lc 12:40 e 17:24; Jo 14:3). Os anjos declararam a Segunda Vinda na Ascensão do Senhor (At 1:11). Os Apóstolos com freqüência a mencionam: Apóstolo Judas (versículos 14:15); Apóstolo João (1 Jo 2:28); Apostolo Pedro (1 Pe 4:13); e Apóstolo Paulo muitas vezes (1 Co 3:5; 1 Tess 5:2-6 e em outros lugares).

O Senhor descreveu para Seus discípulos a maneira de Sua vinda com as seguintes características: ela será súbita e obvia para todo o mundo: "Porque, assim como o relâmpago sai do Oriente e se mostra até o Ocidente, assim será a vinda do Filho do Homem" (Mt 24:27).

Antes de tudo, "aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, e todas as tribos da terra se lamentarão" (Mt 24:30). Esse, de acordo com a interpretação universal dos Santos Padres da Igreja, será o sinal da vivificante Cruz do Senhor.

O Senhor virá cercado por inumeráveis coros de anjos, em toda a Sua glória: "Eles verão o Filho do Homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória" (Mt 24:30), "com os santos anjos" (Mc 8:38). "Ele se assentará no trono da Sua glória" (Mt 25:31). Assim a Segunda Vinda será diferente da primeira quando o Senhor "humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte na cruz" (Filip 2:8).

- Padre Michael Pomazansky, Teologia dogmática ortodoxa

O Mistério do casamento cristão


A família, como é bem sabido, constitui a célula fundamental do organismo da sociedade, sendo o núcleo e base da sociedade. Assim também na militante Igreja de Cristo é a família a unidade básica do corpo da Igreja. Por essa razão, a família cristã é chamada nos escritos dos Apóstolos de uma "Igreja": "Saudai a Priscila e a Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus... e a igreja que está em sua casa" (Rom 16:3-5). "...saudai à Ninfa, e à igreja que está em sua casa" (Col 4:15). Daí é compreensível que grande atenção deveria ser dada à família do ponto de vista da Igreja, para que a família possa preencher seu propósito de ser uma "pequena Igreja".

Há ainda outro caminho para a vida pessoal que é abençoado no Cristianismo: virgindade ou celibato. O celibato por Cristo criou outro tipo de unidade social cristã: monasticismo. A Igreja o coloca acima da vida casada, e na verdade na história da Igreja o monasticismo tem sido um elemento líder, orientador, um suporte da Igreja, pondo em realização no mais alto nível a lei moral do Evangelho, e preservando os dogmas, os ofícios Divinos, e outras bases da Igreja.

No entanto, nem todos podem tomar para si os votos da virgindade em nome de Cristo e da Igreja. Por isso, enquanto abençoa a virgindade como uma forma de vida escolhida e perfeita, a Igreja abençoa também a vida casada para aqueles que não conseguem tomar os votos da virgindade, vida que é ao mesmo tempo difícil pelos objetivos que são colocados para uma família cristã.

O Significado do Mistério

No Mistério do Matrimônio, a Igreja invoca a ajuda de Jesus sobre aqueles que estão se casando, para que eles possam compreender, cumprir e atingir os objetivos postos diante deles, nomeadamente: ser uma "igreja do lar", estabelecer dentro da família reais relações cristãs, criar crianças na fé e vida coerentes com o Evangelho, ser um exemplo de piedade para aqueles à sua volta, suportar com paciência e humildade as inevitáveis tristezas e, freqüentemente, sofrimentos que visitam a vida familiar.

A parte mais importante no rito do Mistério do Matrimônio é a colocação das coroas sobre as cabeças daqueles que estão sendo casados com as palavras: "O servo de Deus (nome) é coroado com a serva de Deus (nome) em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo", e então a benção comum aos dois com a curta oração repetida três vezes: "O Senhor nosso Deus, coroa-os com glória e honra".

[...] O Apóstolo Paulo compara o caráter místico da Igreja com o matrimônio nessas palavras: "Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se entregou por ela." E adiante, "Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois em uma só carne. Grande é esse mistério: digo-o, porem, a respeito de Cristo e da Igreja" (Ef 5:25 e 31-32).

A Indissolubilidade do Matrimônio

A Igreja só em circunstâncias excepcionais concorda com a dissolução do matrimônio, principalmente quando ele foi maculado pelo adultério, ou quando ele foi destruído pelas condições de vida (por exemplo, longa ausência de um dos esposos, sem noticia). A entrada num segundo matrimônio depois da morte de um marido ou mulher, ou em geral a perda de um esposo pelo outro, é permitida pela Igreja, apesar de nas orações por aqueles que estão se casando pela segunda vez, é pedido perdão pelo pecado do segundo matrimônio. Um terceiro matrimônio é tolerado e só como mal menor para evitar o mal maior — a vida imoral (como Basílio, o Grande explica).

- Padre Michael Pomazansky, Teologia dogmática ortodoxa

A essência de Deus


"Se tu desejas falar ou ouvir a respeito de Deus", teologiza São Basílio, o Grande, "renuncia a teu próprio corpo, renuncia a teus sentidos corporais, abandona a terra, faz com que o ar esteja abaixo de ti; passa sobre as estações do ano, seu arranjo ordenado, os adornos da terra, coloca-te acima do éter, atravessa as estrelas, seu esplendor, grandeza, e os benefícios que elas provem para o mundo todo, sua boa ordem, brilho, arranjo, movimento e o vínculo ou distância entre elas. Tendo passado através de tudo isso em tua mente, vá para o céu e postando-te acima dele, só com teu pensamento, observa as belezas que lá estão, os chefes arcanjos, a glória dos Domínios, a presidência dos Tronos, os Poderes, Principados, Autoridades. Tendo passado por tudo isso e deixado para trás toda criação em teus pensamentos, elevando tua mente acima dos limites dela, apresenta tua mente à essência de Deus, imóvel, imutável, inalterável, desapaixonada, simples, complexa, indivisível, luz inaproximável, poder inexplicável, magnitude infinita, glória resplandecente, infindável bondade, beleza incomensurável que golpeia poderosamente a alma ferida, mas que não pode ser validamente descrita em palavras".

Tal exaltação de espírito é demandada de alguém que quer falar com Deus! No entanto, ainda que nessa condição, os pensamentos humanos são capazes somente de permanecer nos atributos da divindade e não na verdadeira essência da divindade.

Há na Sagrada Escritura palavras concernentes a Deus que "tocam" ou "chegam perto" da ideia de Deus em Sua verdadeira essência. São expressões que são compostas de tal modo que, na sua forma, elas respondem não só à questão "que tipo" — isto é, quais são os atributos de Deus, mas elas parecem também responder à questão "quem" — isto é, "quem é Deus?"

Tais expressões são:

"Eu sou Aquele que é" (em hebreu, Jeová; Ex 3:14)

"Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso" (Ap 1:8)

"Mas o Senhor Deus é a Verdade" (Jer 10:10)

"Deus é espírito" — As palavras do Senhor para a mulher samaritana (Jo 4:23)

"Ora o Senhor é Espírito" (2 Cor 3:17)

"Deus é luz, e não há Nele treva nenhuma" (1 Jo 1:5)

"Deus é amor" (1 Jo 4:8,16)

"Nosso Deus é um fogo consumidor" (Heb 12:29)

No entanto, tais expressões também não podem ser entendidas como indicações da verdadeira essência do Deus único; e com relação ao nome "Aquele que é", os Padres da Igreja disseram que ele "de alguma forma" (a expressão é de São Gregório, o Teólogo) ou "como parece" (São João Damasceno) é um nome da essência. Apesar de mais raramente, esse mesmo significado foi dado aos nomes "Bem" e "Deus," na língua grega — Theos, significando "ele que vê." Distinto de todas as coisas "existentes" e criadas, os Padres da Igreja aplicaram para a existência de Deus o termo "Ele que é acima de todos os seres," como no kontakion, "a virgem agora dá a luz a Ele que é acima de todos os seres." A expressão do Velho Testamento "Jeová," "Aquele que é," que foi revelada por Deus ao Profeta Moisés, tem justo tal significado profundo. Isso quer dizer: quando dizemos que Deus é "Aquele que é", nós dizemos que Ele "é" num sentido superlativo e não da maneira que toda sua criação "é"; isto é o mesmo que afirmar que Ele é o "único que está acima de todos os seres" (Kondakion da Natividade de Cristo).

Assim, pode-se falar somente nos atributos de Deus, mas não da verdadeira essência de Deus. Os Padres se expressam só indiretamente a respeito da natureza da divindade, dizendo que a essência de Deus é "uma, simples, não complexa". No entanto, essa simplicidade não é algo sem distinguir características ou contendo; ela contem em si própria a totalidade das qualidades da existência; "Deus é um mar de ser, incomensurável e ilimitado" (São Gregório, o Teólogo); "Deus é a completude de todas as qualidades e perfeições em sua mais alta e infinita forma" (São Basílio, o Grande); "Deus é simples e não complexo; Ele é inteiramente sentimento, inteiramente espírito, inteiramente pensamento, inteiramente mente, inteiramente fonte de todas as coisas boas" (Santo Irineu de Lyon).

- Padre Michael Pomazansky, Teologia dogmática ortodoxa

Escritura e Tradição


As Sagradas Escrituras são altamente respeitadas pela Igreja Ortodoxa. Sua importância é expressa pelo fato de que uma parte da Bíblia é lida em cada serviço de Louvor. A Igreja Ortodoxa, que se reconhece a si própria como a guardiã e intérprete das Escrituras, considera que os livros da Bíblia são um testemunho precioso da revelação de Deus. O Antigo Testamento é uma coleção de quarenta e nove livros de vários estilos literários que expressam a revelação de Deus aos antigos israelitas. A Igreja Ortodoxa considera que o Antigo Testamento é uma preparação para a vinda de Cristo e acredita que deveria ser lido à luz de Sua revelação.

O Novo Testamento está focalizado na pessoa e obra de Jesus Cristo e na plenitude do Espírito Santo na Igreja primitiva. Os quatro Evangelhos são um relato da vida e ensinamento de Cristo, centralizados em Sua Morte e Ressurreição. As vinte e uma epístolas e os Atos dos Apóstolos são dedicados à vida cristã e ao desenvolvimento da Igreja primitiva. O Livro da Revelação é um texto altamente simbólico que prevê a volta do Cristo. O Novo Testamento, especialmente os Evangelhos, é muito importante para a Ortodoxia porque ali se encontra um testemunho escrito da revelação perfeita de Deus na Encarnação do Filho de Deus, na pessoa de Jesus Cristo.

Embora a Bíblia seja muito preciosa como um inestimável registro escrito da Revelação de Deus, ela não contém aquela revelação em sua totalidade. A Bíblia é considerada unicamente como uma expressão da revelação de Deus na vida em marcha de Seu povo. A Escritura faz parte do tesouro da Fé que é conhecido como Tradição. Tradição significa aquilo que é "transmitido" de uma geração a outra. Além do testemunho da Fé na Escritura, a Fé Cristã Ortodoxa é celebrada na Eucaristia, ensinada pelos Padres, glorificada pelos Santos, expressa em orações, hinos e ícones; preservada pelos sete Concílios Ecumênicos; contida no Credo Niceno, manifestada em preocupação social; e, pelo poder do Espírito Santo, subsiste em cada paróquia ortodoxa local. A vida da Santíssima Trindade é manifestada em cada aspecto da vida da Igreja. Finalmente, a Igreja, como um todo, é a guardiã da Fé Cristã autêntica, a qual dá testemunho daquela Revelação.

- Padre Thomas Fitzgerald, Doutrina da Igreja Ortodoxa

Essência e energias em Deus


A distinção - uma distinção real - entre "essência" divina e "energia" divina é inevitável no contexto da doutrina da deificação, a qual implica uma participação do ser humano criado na vida incriada de Deus, cuja essência permanece transcendente e totalmente inacessível. Todos esses aspectos da doutrina de Deus serão, de fato, confrontados simultaneamente na controvérsia entre Gregório Palamas e seus adversários no século quatorze. Sua conclusão necessariamente é que "três elementos pertencem a Deus: essência, energia e a tríade das hipóstases divinas" (Cap. phys., 75).

A tríplice distinção torna-se inescapável tão logo rejeita-se a opção agostiniana de trinitarianismo pela opção dos Padres capadócios. Pois, realmente, se as Pessoas são apenas relações internas à essência, a revelação de Deus, se há, é uma revelação da "essência" ou de seus símbolos criados; as "energias", então, são a própria "essência" de Deus ou sinais criados, e não há distinção real em Deus. Mas se, ao contrário, as Pessoas são distintas da essência, a qual é comum a elas porém transcendente e inacessível ao homem, e se em Cristo o homem encontra Deus "face a face" - e portanto há uma participação real na existência divina -, então essa existência divina participada só pode ser um dom livre de Deus, o qual mantém guardado o caráter inacessível da essência e da transcendência de Deus. Esse Deus que se doa é a "energia" divina; um Deus vivo e pessoal é realmente um Deus que age.

Temos visto que uma doutrina das "energias" na tradição bizantina é central ao entendimento da criação e da cristologia. Recusando-se a reduzir o ser de Deus ao conceito filosófico de simples "essência", o pensamento bizantino afirmou a plena e distinta realidade da vida hipostática Trina de Deus ad intra assim como sua "multiplicação" como criador ad extra. Essas duas "multiplicidades", entretanto, não coincidem. A terminologia recebida pela doutrina das energias, em sua relação com as hipóstases, foi estabilizada na síntese palamita do século quatorze [...].

A tríplice distinção - essência, hipóstases e energia - não é uma divisão do ser de Deus; ela reflete a vida misteriosa daquele "que É" - transcendente, tri-pessoal e presente à Sua criação.

A formulação palamita do século quatorze foi precedida de desenvolvimentos teológicos que lidaram com a mesma tríplice distinção. Em 1156 e 1157, dois concílios locais em Constantinopla debateram se o sacrifício de Cristo - em suas dimensões histórica e eucarística - é oferecido ao Pai somente ou à Trindade. Soterichos, um teólogo, foi condenado porque ensinava que os atos de ofercer e de receber constituíam características hipostáticas do Filho e do Pai, respectivamente - uma opinião que os concílios consideraram uma confusão entre a Trindade "imanente" e a "econômica", ou entre as características hipostáticas e as "energias". E, de fato, as liturgias bizantinas de Basílio e João Crisóstomo incluem no ofertório uma oração direcionada ao Cristo: "Pois Tu és aquele que oferece e que é oferecido, que recebe e é recebido". O mistério da vida hipostática tal como é revelado na Encarnação e no ato de redenção também é expresso no troparion bizantino da Páscoa (repetido pelo sacerdote no ofertório da Eucaristia): "Ó Cristo indescritível! Tu preenches todas as coisas: corporalmente no sepulcro, no Hades com tua alma como Deus, no paraíso com o ladrão; Tu também estás sentado com o Pai e o Espírito".

- Padre John Meyendorff, Teologia Bizantina